Friday, February 04, 2005

A Trotinete

Ontem, dia 3, lanchei com a filhota.

A ideia materializou-se numa “conversa” de “messenger”, havida durante a manhã. Planeava ela, para hoje, dia 4 de Fevereiro, porque já não tem aulas, ir a casa de “uma amiga”, levando consigo a trotinete, que ainda está em minha casa.
“Claro!”, anuí e, pelo sim, pelo não, pedi-lhe para optar entre:
“1) Vens comigo a casa e lanchamos lá perto, pegamos na trotinete e deixo-te na Mãe;
2) Levo a trotinete a tua casa, e lanchamos no café do prédio;
3) Levo a trotinete a tua casa, e não lanchamos”.

Uns segundinhos depois, lá apareceu, no ecrã, a respostazinha, naquele verde claro da sua preferência: “2)”

“E a que horas, meu amorzinho?”. Mais um bocadinho e, tímidamente, lá vieram outros números e letrinhas a verde claro: ”6 horas e 39 minutos”. Que precisão, pensei eu, intrigado.

Quando cheguei a casa, lá fui à arrecadação procurar a coisa. Removi uma pilha de outras e encontrei uma trotinete. Eu sei que eles tinham duas, uma maiorzinha e outra mais pequena. Que uma é mais nova do que a outra. E uma delas já não se dobra para o transporte. A que tinha na mão não se dobrava. Da outra, nem vestígios. Vamos lá a despachar, ou ainda chego atrasado.

Encantei-me, embebido de amor e ternura, aos saltos neste coração empedernido, logo que a vi. Tenho de me controlar melhor nos abraços, não vá esmagá-la.

Corri a tirar a trotinete do carro.”Filhota, ela já não dobra!”. Sorrriu-me, com aquele sorriso maravilhoso. “Pai, não é esta, é a outra …”.”Eh …”, balbuciei desnorteado,”Então a outra não é mais pequenina?”. Lá me explicou que a outra é mais nova e maior. Acho que não, a que trouxe estava mais à mão porque foi a última utilizada por uns, enquanto outros andavam de bicicleta e patins em linha. Terei de revistar melhor os cantos da arrecadação, para fazer prova. “Bom, para já fica com esta, que eu depois logo te trago a outra”. Aliás, parece-me, mesmo, que já a teremos dado a alguém.

Notei-lhe uma indecisão no olhar. “Não queres a trotinete”. “Pai, é que, se calhar, amanhã jã não vou a casa da Amiga”. “Porquê?”. “Não arranjo carro, né?”. “Mas, então, a que hora vais?”.”Ás oito e meia”.”Ó amor, eu levo-te. E jantas lá?”, perguntei, porque me tinha dito que, neste fim de semana, também planeava dormir em casa da Amiga. “Não, Pai, oito e meia da manhã”.
Fiquei desgostoso.“Que pena, assim não posso, o pai sai sempre às sete, amor. Olha, queres que leve a trotinete de volta?”. ”Ummmm, não, eu fico com ela”. “Tábém, então vamos lá lanchar”. “Pai, vais com isso para o café”. “Pois vou ...”. “Eu vou guardá-la e também deixo a mochila (da escola) em casa”. E lá foi.
Antes de comermos, avisou-me: “Não vou ter muito tempo, tá?”. “Vai dar alguma telenovela gira, ou é um desenho animado? … ou há algum programa com a Britney Spears?”. Riu-se, ”Tenho de fazer os trabalhos de ingles”. “ … É? ... Mas vais ter férias ..?”. “Sim, mas assim fico livre …”. Faz sentido. Talvez a Mãe lhe tenha “explicado” que, antes de se divertir, teria de fazer, primeiro, os trabalhos. Ou, então, já sabe que vai passear durante as férias e que terá de despachar, primeiro, os trabalhos.

Enquanto lanchamos, falamos da nossa conversa no messenger, falo-lhe dos smileys animados que utilizo, ela conta-me que tem uns da Britney Spears, pergunto-lhe quando vai dormir a minha casa, “para vermos ums filminhos, estreares a almofada nova, e visitar os padrinhos" ( moram por baixo de mim), “que já estão com saudades de ti”. Como se eu não as tivesse. Encolheu os ombros, ”Se eu soubesse o e-mail da madrinha, falava com ela”. “Eu tenho. Amanhã mando-to”. A muito custo, não insisti na tão desejada dormida em minha casa.
Pediu-me 5 cêntimos para a rifa do chocolate, e apercebi-me que estava teso. “… esqueci-me de levantar dinheiro … “, desculpei-me, mostrando-lhe como era verdade. “Ah, não faz mal ...”.
À continuação, fiquei a saber que os testes de Ciências, Matemática e (não me lembro), lhe tinham corrido bem, especialmente o de Ciências. “E o trabalho sobre o tubarão branco?”. “Só o apresentamos para a semana”. “Vão usar um rectroprojector com acetatos?”.”Não, vamos ler”. “Ah ....”, e expliquei-lhe que, no mundo dos “crescidos”, o apresentador utilizava os acetatos e a assistência ficava com uma cópia dos mesmos. Achei que seria redundante falar-lhe do retroprojecor electrónico (ligado ao PC), porque as escolas secundárias não têm esses recursos. “Podes fazer fotocópias a côres?”, perguntou-me. “Não, amor, só tenho impressora. Queres que imprima o vosso trabalho e faça acetatos?”. Ficou de me dar uma resposta, porque cada membro do grupo possuía, apenas, a sua contribuição individual. “Mas se me mandarem por e-mail, eu posso imprimir ...”. Pois, tábem, ficou de me dar uma resposta.

Abordei outro dos seus temas preferidos, jogos e ginástica. “E tens jogado basquete?” “Pouco, porque os (contínuos) não deixam”. “Hã?! ...”. “É que nós jogamos ao pé da sala, onde é proibido, porque os campos estão sempre ocupados com os mais crescidos”. Fico a saber que, no próximo período, o segundo, será o voleibol o jogo temático das aulas e, no tercerio, o futebol. Desta novidade, já não gosto.
A filhota sofre da doença de Willibrant (o nome do homem deve escrever-se mais ou menos assim). A ausência deste factor no sangue (mesmo que em pequena escala) impede a rápida ou a não coagulação do mesmo. Qualquer pancadinha cria uma enorme mancha negra e qualquer hemorragia demora uma imensidão a parar. De resto, eu e a Mãe já manifestámos á filhota o nosso desejo de a ver totalmente afastada de actividades com maior risco, em especial o futebol. Ela já conhece, também, a última experiência da prima, de 18 anos, louca por futebol, que sofre de problema similar, mas com maior gravidade. Teve que desistir de jogar, depois da última vez em que foi parar ao hospital, quase morrendo por causa de uma bolada. Lá terei que voltar à carga.
E, na aflição da despedida, esqueci-me de relembrá-la para me avisar, logo que seja conhecida, a data da próxima reunião de pais.

Mais uma vez fui para casa, com aquele sentimento muito estranho e contraditório, de felicidade imensa, misturada com a dor e o vazio de uma amputação.

8 Comments:

Blogger Rita Quintela said...

Olá!
Vim aqui ter por causa de um com,entário que deixaste no meu blogue. Gostei de ler o que escreves, apesar de sentir tanta mágoa e tristeza nalgumas das tuas palavras... Sempre que precisares, estou lá.
Bj

3:58 PM  
Blogger Rita Quintela said...

Olá!
Vim aqui ter por causa de um com,entário que deixaste no meu blogue. Gostei de ler o que escreves, apesar de sentir tanta mágoa e tristeza nalgumas das tuas palavras... Sempre que precisares, estou lá.
Bj

3:59 PM  
Blogger tasque said...

bonito...

4:30 PM  
Blogger Tão só, um Pai said...

...obrigados.

5:18 PM  
Anonymous Anonymous said...

Ahnhn
Ñ tinha lido isto da amputação.
Fora a sua filha mais velha, uma adolescente, e seria ela a estar também com essa dor virtual de um membro que dói, embora ñ esteja lá.
Aquela agonia latente que faz volver a rotação da terra.
Porque os filhos podem também sofrer surdamente e sabem disfarçar tão bem ou melhor que qualquer adulto.

6:20 PM  
Anonymous Anonymous said...

vim aqui ter sem querer...tb estou a passar pela mesma situaçao..mas estou no lado de filha e sei q os filhos tb sofrem...o texto esta mt bonito e vi que o q se passa cmg acontece cm outras pessoas...a sua filha mais velha tem que idade?bjnhs***continue...

1:09 PM  
Blogger Tão só, um Pai said...

Olá. Nós, o Pai, sofremos de um vazio que nada preenche, quando ficamos sem os filhos. Isso tortura-nos. Temos uma falta constante de tudo, que nada preenche.
A minha filha mais velha, não existe. Tenho um filho mais velho. Faz 18 no dia 23 de Junho. É um pessoa especial. Andamos sempre às turras, o que faço com gosto e um sorriso marôto. O papel de Pai é lixado. Queremos ser irmão, não Pai. É um conflicto constante dentro de nós. Não o troco por nada.

Um beijinho para ti.

E Sorri. Para ti, para o teu Pai e para a tua Mãe.

10:06 AM  
Anonymous Anonymous said...

Por que nao:)

11:50 PM  

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