Monday, February 07, 2005

Coelhos

Senti-me mentalmente esgotado, aquela sensação de zumbido na cabeça, vazia, quase a estalar, pedindo-me sono que não havia. 17 horas. Recostei-me. Tocou o télélé. “O que é que estás a fazer?”, perguntou o J, na a sua aspereza alentejana. “Estou já a sair de casa”, disse eu, sabendo que estava atrasado, “Já está tudo aí?”, “Há muito tempo, despacha-te!”. Pois, tábém. Procurei as luvas de borracha, daquelas da cozinha, mas não haviam. “Lá, arranjo umas”, peguei no impermeável da pesca e abalei. “Então, isto é que são horas?”, cumprimentou-me o ZC, e não me importei. É assim com todos, mesmo quando chega atrasado. Arranjei umas luvas, vesti o impermeável e apresentei-me. “O que posso fazer?”. O ZC apontou para a fila de coelhos bravos, pendurados pelas patas traseiras. “Pega naquele …”, que já estava começado,“ …como se faz?”. “Assim, com pequenos golpes, e vais soltando a pele. Sempre que ficar presa, vês o que a está a reter, e qual a melhor forma de aplicar os golpes para se soltar.Há sítios em que, antes de puxares, vais precisar de separar, primeiro, a pele da carne com o dedo.“. Admirei-lhe a pedagogia. Com o estômago às voltas, lá fui fazendo pela vida. “Agora, tens de ter cuidado para não lhe arrancares a cabeça”. “Mas ela já está meio arrancada …”. “Vê o que podes fazer”. Marcharam as orelhitas, trabalho feito. “Este já está, e agora?”, eu, na esperança que me libertassem. “Pega no outro. Primeiro golpeia à volta das pernitas”. E lá fui pelando o bicho, inventando para o aliviar da cauda. Finalmente, safei-me. Por essa altura, já estavam todos esfolados. Foram lavados, esquartejados e mandados descansar em vinha de alhos. Discutiu-se o cozinhado e a hora do manjar. Serão estufados e comidos às 5 da tarde, Terça de Carnaval. Reunimo-nos no atelier do ZC, envolvidos pelo quentinho da salamandra. Éramos cinco. Lá vieram as cervejitas, cajus e amendoins. Estava-se bem. Desafiei-os, “Como vão os planos para a Páscoa na Neve?”. “Porquê, agora já vais?”. “Não, mas gostava de saber”. Apercebi-me de ser esta a primeira vez que pensavam mais a sério no assunto. Tomaram-se algumas decisões, adiaram-se outras, porque não estavam todos, e galhofaram com os episódios recambolescos da estadia anterior. Ri-me e viajei com eles. Quando cheguei a casa, já não tinha a cabeça vazia.


Hoje viajei. Domingo, 6 de Fevereiro de 2005.

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