Wednesday, February 23, 2005

Aparecida

Sonhava-a, loirinha, igual à Mãe, como a conheci, como a vi em fotos, ainda novinha. E já me abraçava, em sonhos, à minha boneca vestida de pintainha. Sonhos de Maio. Queria-a muito, muito, muito. Queria-a, toda e só minha. A Mãe que se danasse. O chorão foi sempre dela, nunca o largou, e ele não a largava. Eu bem tentara mas, a maminha, tinha-a ela. De vez enquando, enganara-o, com biberon e chuchinha. Ah, mas a boneca, seria minha, só, só e só minha. Segredo meu, egoísmo feio. E depois? Cada um tem o seu defeito. Avisaram-me, “a sua mulher telefonou, já foi andando”, assim, fosse às compras, ou a um almoço, foi este o recado que me chegou. Preparei-me para o pior. Ecografias? Certezas, ninguém mas dava. Talvez fosse, talvez seja, uma menina. A barriga era pequenina, a mãe desconcertante, de calma. As sogras já não arriscavam. Olhavam-me de lado, malandro duma figa, com a verdade me enganas e, gato escaldado, já se sabe, não volta a meter a cauda no caldo. Bom, se a mãe vai andando, eu vou correndo. Ainda cheguei a tempo de a ver na sala de espera. Sorrimos, gracejámos, quando a chamaram não falámos, telepatia de vidas, um beijo, um abraço, podia ser a despedida. Comprei uma dúzia de revistas, não tivesse de esperar até ao fim do dia. Mal ia no índice da primeira e chega a enfermeira. É o Sr. L. D.? Dei um salto, “Porquê?”. Trazia um bébé. “Aqui o tem”. Agarrei-o e fiquei ali, a olhá-lo. E vi o meu filho, igual, igualzinho. “Porque está a olhar, acha que não é sua, a filha?”. Nem liguei à rudeza, “E agora, para onde ma levam?”. “Para o berçário, tem que ser limpa e observada”. “Posso ver?”. “Mas não pode tirar fotografias”, olhando para a máquina, que tinha escondida por baixo do casaco do fato. Lá fui a correr, a tempo de os ver a aspirá-la, auscultações e outas malandrices que se fazem aos bébés, quando nascem. Meu Deus, o que ela berrava. Do meu lado, do vidro, fiz-lhes gestos, “olhem que ela é minha”. Encolheram os ombros. E ela berrava. Mais gestos, levantei os braços, palmas da mão para cima, como quem pergunta se havia algum problema. Do outro lado, gestos também, apontaram com a mão para a boca, como quem diz, “quer comer”. Depois daquela tortura, lá acederam a dar-lhe dois dedos de biberon. Diabo da moça, sôfrega e esfomeada. Fui ter com a mãe e, lá estava ela, na primeira mamada. A mãe ria-se, com a sofreguidão da rapariga. Era morena, olho achinesado, a minha irmã perguntou-me, “Foi feita de olhos fechados?”. Cabelo encaracolado, que orgulho, sairá ao pai? Quando era novo, claro. Ah, e cuidado, façam o favor de me dar espaço, tenho ao colo a minha Menina.

Quarta, 23 de Fevereiro de 2005

6 Comments:

Blogger Nuno said...

Às vezes não sei se quero... Egoísmo, talvez... Imagino o trabalho... o que terei de deixar de fazer, de ter... Mas depois leio estas coisas assim... E quero, muito. E não me importo de abdicar.
Um dia. Talvez. Quem sabe...

10:31 AM  
Blogger Tão só, um Pai said...

Nuno, não é só descanso. Borrifei-me nas discotecas (aliás, passei a odiá-las), passei horas a brincar com carrinhos (também já está em rascunho), odiei-me pelas horas e pelas noites não dormidas por motivos de trabalho e, no fim, lá vinha ela, a minha pocahotas atirar-se para os meus braços, chamando-me príncipe encantado. Mas olha, é na nossa mulher mais amada, daquelas que percebemos ser a escolhida, que tudo começa, sendo bom que lhes tiremos os filhos ao egoísmo de mãe e façamos, nós também, de pai e mãe. Um dia desejamos muito, e acontece. É no dia em que vemos as crianças como crianças, e não como adultos mas educados, e achamos piada às asneiras que dizem que que fazem.

10:54 AM  
Anonymous Anonymous said...

Emociono-me sempre c estes teus relatos taosoumpai...realmente são vivências únicas,momentos só nossos,emoções que tudo superam...Obrigada por tanta beleza nas tuas palavras

Nuno,na vida chegam alturas em q é preciso optar...dar prioridades...qto ao resto tudo se esqueçe:o trabalho...as dúvidas...é um novo ciclo...é a tua projecção como ser humano...é uma vida q passa a depender de ti...e a quem vais amar...incondicionalmente

bjokas

Anna^

12:11 PM  
Blogger Contas e Cores said...

Que ternura....

8:33 PM  
Blogger AnaBond said...

mais um sorriso bobo ...

1:57 PM  
Anonymous Anonymous said...

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4:04 AM  

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