Poca Hontas
Lavar a banheira, tem que ficar tudo bem limpo, abram-se torneiras, tempere-se mais para o quentinho. No inverno, tudo arrefece, muito depressa. As toalhas já cá estão, pijama, roupão … eh, já está uma piscina. Abram alas, “Sra. Dona Majestade … “, nada, “Amorzinháá, vamos depressa, senão, não brincamos”. Ai, ai, ai … esta barriguita, está mesmo a pedir uma dentadinha. Começa a sessão, “… Pai, faz …!”, suplica. Aqui vai, toda deitada, bem esticadinha, boiando por cima das minhas mãos, embalava-a, para trás e para a frente, a água ondulava, “Tomba larão, cabeça de cão, orelha de gato não tem…?”, suspense, “ … não tem o quê?”, mais suspense, “… não tem, não tem, não tem …” , punha-me em posição de ataque, ela, já nem respirava, à espera do meu final e, eu, “ … não tem penas!” Ah, que alívio, esta ainda não contava. E lá voltava ao princípio. À terceira, tinha que ser, “…orelha de gato não tem…”, suspense, posição de ataque, “não tem … não teeeemmm …” e, de repente, “… CORAÇÃÃÃOOO!”. Atirava-me à barriga, fingindo que mordia, grunhia barulhos medonhos, coisa de monstros, eu sei lá o que lhe fazia … . Ela saltava, berrava, gargalhava, espernejava, tantas cócegas, ria, ria … . Que excitação. Mais uma vez, terei que limpar o chão. “Fechem a porta!”, ouvia-se da cozinha, a Mãe assustava-se com tanta gritaria. Depressa, que a água fica fria. Champô e, “ … pronto, já está!”, dava-lhe uma toalhinha para limpar os olhos, afligia-se quando a água os cobria. Já se passou um quarto de hora e, de banho, só o cabelo. Vá, vamos ao resto do corpito, “Então, já está?”, entrava a Mãe, olhar grave, admoestador, “… olhem-me só para este chão, a água já está fria, não sei quem é mais criança!”. Olhávamo-nos, coisa de pai e filha, cumplicidades, fingia-me, “Está quase, está quase … só mais um bocadiiinho!”. Mais água quente, banheira quase a transbordar, e ela, “…ó Pai, faz mais!”, eu, advertia-a “Só mais uma vez!”, “Não, mais três!”, “Mas não podes gritar tanto, senão a Mãe ouve”, “Eu não grito, eu não grito!”. Ai não, que não gritas, deixa-me fechar melhor a porta, que lá vamos outra vez. Esgotadas as últimas, depois daquelas três, toca a limpar, depressa, para não teres frio. Uma toalha no corpito, outra no cabelo, “vamos fazer o ááá´”, e o “áááÁÁÁááá” ia e vinha, ondulando no abanar da cabeça equanto lhe limpava o cabêlo. Depois de escovado, esticava-o, estava tão comprido … , “Já está como o da Poca Hontas, Pai?”, “Olha que estás igualzinha …!”, “Mas ela tem outra pele!”, “É porque lá está calor e já foi à praia …!”. Cotonetes e ouvidos. Pijama, roupão, chinelos, faltam os chinelos. Agora sim, estás quentinha. Chão enxuto, toalhas estendidas, ralo limpo, juntava-me aos três, que já comiam. Um olhar doce, de cuidados, “Não o queres aquecer? Já está frio”. Amôr Grande, “Não vai ser preciso, para mim está morninho, gosto dele, assim …”, deste nosso dia.
Hoje, molhei-me. Quarta, 16 de Fevereiro de 2005.
Hoje, molhei-me. Quarta, 16 de Fevereiro de 2005.
9 Comments:
... são mesmo, mesmo muito únicos. Que saudades, tantas.
Porque eles, depois, crescem.
Hoje, quase não passo da porta da casa de banho. Só em casos especiais de autorização.
No verão, foram as maminhas. Ia do quarto para a casa de banho com elas tapadas pelas mãos.
No outro dia, desabafei com um casal amigo, "agora, é só vergonhas e, quando for grande, é tudo à vista".
Ah, mas na praia, ainda me pediu o tomba larão.
simplesmente ternurento! :)
lembro-me quando o meu pai fazia o "ataque surpresa das cocegas"...eu já desconfiava que ele ia fazer isso,mas fazia de conta...gostava!
depois fui crescendo e aquilo era criancice...mas é uam das boas recordações que tenho da minha infância! :)
adorei a forma como falas da cumplicidade entre pai e filha...as mães querem tudo arrumadinho! lol
olha ela a crescer...:)
Ana,
Impressão,
Obrigado pela partilha das cócegas. Fizeram-me lembrar outras coisas boas. Grandes regabofes, camas estragadas ... . Vou tentar agarrá-las. Que pena, a de estas criancices se perderem. Afinal, as "Barbies" continuam por muito mais tempo.
Sim... posso dizer que, aos 27 inda sou criança.... (Demais?)
Ana, não tinha pensado nisso, de que eles podem, até, guardar bocadinhos destes na memória.
Por brincadeira, uma vez, perguntei à filhota se achava bem que mudasse o meu nome para Ken. Proposta recusada. Ainda bem. Acho o boneco efeminado.
Taosoumpai... Pois... Isso era um bocado... Eerrrr... como se diz agora... "Socrático"... LOL
He, he, he, ... he, he, he ..., do que me livrei ...
... pois, ainda em Janeiro, chamou-me desorganizado e arrumou-me a bancada da cozinha. E eu gostei, apesar de ainda não ter encontrado umas coias ...
lindo... apenas o que consigo dizer.
(eu sou mãe e não vou ter nunca tudo arrumadinho ;) )
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