Tuesday, May 29, 2007

Duetos

É preciso coragem para se tocar em dueto. Violino, acompanhado ao piano. Se a entrega, a sensibilidade ou a virtuosidade forem menores, o resultado é balofo, medonho e, até, desastroso, É preciso coragem. Não há nem a o cabo nem a rede de segurança proporcionado pela grande orquestra. Ali, dois músicos ou dão tudo o que têm de si, e excedem-se, ou o resultado é confrangedor. Quando assim acontecia, costumava-se, em tempos não muito idos, agradecer-lhes o insulto com ovos podres e tomates de validade há muito expirada. Hoje, educadamente aplaude-se, friamente, por mera cortesia. Neste último sábado, tive o prazer de assistir a momentos de excepção. Os de um dueto, de duendes em que a sensibilidade, o virtuosismo e a entrega se combinaram em momentos de verdadeiro êxtase e espanto. De suspender a respiração, agudos de brisas enebriadas que, num momento, se transformam em ventanias de tormentas, logo tudo se enfurecendo, rugindo e gritando sons que só os homens conhecem, crueldades e horrores perpetuados, a dôr e o sofrimento. Mozart, Brahms e Prokofiev. Para não mencionar os “encore”. Esses, ainda mal identificados.

Não sou, nem de perto, um musicólogo fervoroso. Não sou, sequer, ou de todo, um musicólogo. Aliás, nem faço ideia do que isso seja. Fiz um pouco de catequese, quero dizer, tive umas aulitas de piano quando era miúdo. Fui curioso, mais tarde estudei umas coisitas da teoria musical, para perceber porque alguns soam sempre ao mesmo e outros parecem uma estrada aberta, de infindáveis diálogos, estranhas dissonâncias de portas escancaradas, desafiando-nos à descoberta e à troca de interioridades, as nossas, as dos outros, com linguagens desconhecidas e viagens inesperadas. Nunca fui virtuoso ou erudito de coisa nenhuma, não o sou na escrita, no desporto, na pesca, na vela, no piano ou na raiva com que esgrimi o som mais distorcido da minha eléctrica guitarra. Uma barata Ibanez, comprada na Custódio Cardoso, castanha, com a forma duma Gibson SG. Como a desse louco, que deu pelo nome de Frank Zapa. Na música, sempre procurei muitas coisas. O divertimento, não o foi. Mas muito me diverti. Catarse? Talvez. E daí, não sei, a catarse é algo que se esgota muito rapidamente, e a música não pára de me compreender. Em ambientes, sons, ritmos, virtuosidades e, acima de tudo, a entrega da vida, sensibilidades. Não procuro a arte. Quando ela me encontra, por vezes, surpreendo-me. Outras vezes, não. Na “minha” música, não há muito disso, a arte da música. É mais algo, o caminhar na vida. Porque, na música, nunca me perdi. Sempre me reencontrei. Comigo e com os outros, a falar por mim, de mim, descobrindo-me onde eu não sabia que estava. Umas vezes perdido, outras escondido. De procuras inconstantes, num percurso amalgamado de labirintos e saídas. E sempre descobrindo os outros. Assustei-me? Sim, muitas vezes, e sempre sorrindo, agradecido. E quanta, a raiva. Mais esse, demasiado eterno. O tormento, constante, com que se carrega e amargura, a vida. Sorrio. “Não sou o único, A olhar o céu”. Nunca tive paz, nunca me senti em paz, a não ser por alguns e, sempre breves, instantes. Quando me revelo, em tormento. À música, à escrita, ou, simplesmente e, quantas as vezes, em silêncio. Mas, esta, a que tanto procuro, a Paz, só a doçura, só amando, só a terna entrega, num beijo, só ela me alivia, desse tormento. O que ouvi de Brahms e Prokofiev sempre estiveram cá dentro. A gritarem-me, também em tormento, do tormento. Gostosamente sofridas, as doçuras de Mozart. Sorrindo, pela angustiada ânsia de olhares, terna entrega de almas, naquele beijo, sem momento, sem tempo. DeVidas. DeMúsicas. DeDuetos. DeDuendes.

2 Comments:

Blogger PARTILHAS said...

Já li e reli, várias vezes este texto e ainda assim, emudeço...
Partilho contigo neste momento um dueto, amigo e muito "saborento", de quem gosta e mima. De quem escuta, e de quem está presente...

Aceita tu também, a aminha Amizade, sincera, meu Amigo... e a paz, que ela te possa dar, em momentos, Partilhados de Amizade e carinhos, muito sinceros.

Abração, bem forte...

9:37 AM  
Blogger Tão só, um Pai said...

Só quero, só preciso, só queria a minha Paz. Se a perdi, se não a tenho, quero que as águas sejam turbulentas, preciso de tempestades, preciso de não pensar, preciso de não estar. Aceito tudo, agarro tudo, e perdoa-me, quando entro e saio, preciso de vento.

4:22 PM  

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