Wednesday, May 09, 2007

... Parabéns também para si, tia Carmo ... tia marafada ...

É claro que também tenho o direito a ter tias, ou não sabiam? Pois esta minha tia é terrivelmente impressionadissamente impressionante (conseguiram ler isto duma vez? ... possa ...). Vai nos 91 anos e não tem um único problema de ossos. É seca como uma dessas, já poucas, jovens jeitosas de 20 anos, anda tão direita que até parece ter engolido um cabide. E o andar ... oi, olhem aí, é "andar", mas com as perninhas, não é um apartamento, tá? Já se tavam a fazer ao cravanço ou a um aluguer mais em conta para as férias? Não percebem? Já o irão ... Pois, tem um andar ágil, assustadoramente ágil, até salta por cima das poças e deixa-me sem fôlego para a acompanhar na subida e descida de escadas. Ir às compras (em particular ao mercado) com ela, é um pesadelo estafante. Na praia, põe-nos a apanhar lapas durante horas, para um delicioso arroz à hora do jantar. E eu que julgava gostar muito de andar ...

Esta minha tiazinha é ... ... ... Algarvia, ... sua marafada! ... e quem não apanhou lapas, à hora do jantar tem uma peguntazinha, ali em frente a toda a gente: "Tão boas, não tão (nome do interlocutor/a), gostas? Mas não gostas de apanhá-las, pois não?" ... glup ... engasguei-me e acho que as lapas não me estão a cair bem ... Perdi o fio á meada ... ah, pois, isto a propósito das Mulheres Algarvias ... jeitosas, mas são tão jeitosas, são mesmo jeitosas, pá! ... uups, adiante, adiante, ó marafadas ... deixa-me ver, as de Coimbra também são de palitar os dentes no fim ... para tirar os os coisos pretos ... lá me perdi ... adiante ... as marafadas Mulheres Algarvias é que mandam em casa, e só se condescendem um pouco em ternuras quando o homem se revolta de vez em quando ... (ui, o que eu fui dizer, ui, ui, este ano não posso pôr o pézinho na minha amada Carrapateira, na minha amante Praia dos Mil Homens, nem beijar as pedras da calçada do Rogil ... ai, meu lindo Algarve ... ).

Apesar deste "defeito da mandonice" ... ou "particularidade cultural" (assim fica melhor, não é?), esta minha tia tocou-me fundo, ao explicar-se porque estava sempre hávida de uma pescaria nas mais recônditas falésias ou no meio dum mar sem terra á vista.

Amou e casou com um rapaz da Madeira, que lhe deu a volta ao juízo. Por artes e manhas, dizem que daquelas com bruxas á mistura e tudo, no fim, quem o pôs todo apanhado, foi ela. Também já me disseram que a rapariga era, então, uma febra e pêras ... compreendido. Claro, lá vieram as promessas de amor eterno, total dedicação à esposa amada e esse chorrilho de parvoeiras impensadas da prache com que se convencem as raparigas (hã? ... pá, já escrevi, não posso apagar ... tá bem, tá bem, mais depressa para disfarçar ...) a ficar ao nosso lado. ... a malta também chama, a isto, qualquer coisa do género "a canção do bandido" ... continuemos. No início do casamento, foram geograficamente separados por razões profissionais, mas lá se juntavam naqueles momentos em que, acabando-se os outros afazeres, podiam dedicar-se aos afectivos. Viveram tempos muito difíceis mas, quando um fraquejava, o outro dava-lhe a mão e, juntos, caminhavam. Quando ambos fraquejavam, paravam, abraçavam-se, retomavam o fôlego e, aos poucos, sempre aos poucos, renovavam a vida. Na altura, não haviam auto-estradas, o que permite aferir da afeição entre estes amantes. Ou então ... da mesma maneira que um homem não é de pau, uma mulher, também, não é de ferro ... e por aí adiante. Nunca lhes ouvi queixarem-se da solidão que essa situação lhes causou, ou o menor empenho na união que traçaram. Estiveream assim anos.
Finalmente, a vida permitiu-lhes "ajuntarem-se" em Faro. Mas, como cedo a minha tia descobriu, o malandro do marido tornara-se, entretanto, por aquela vida de quase solteiro, num terrivel viciado da pesca, coisa que não trazia da sua terra natal, antes o ganhara em terras algarvias, para não andar na bebida e acalmar a falta da sua amada. Com o que sempre se desculpava.
Por esta altura, à moça pôs-se o seguinte dilema: ou se divorciava e procurava outro, ou ficava abandonada. Depois de reflecttir seriamente sobre o assunto, optou por uma terceira via: para estar mais tempo com o marido, e se ele tinha aquele gosto tão grande, passaria ela a acompanhá-lo naquilo de que ele tanto gostava, a estarem os dois muito mais tempo juntos. É claro que, coisa rara para aquela altura, se ambos queriam almoçar e ter a casa arranjada, tinham que ambos vir mais cedo das pescarias para tratarem de si e das lides. Mas como vício é vício, coisa que se pega nas calmas e belas paisagens a cheiros do mar, passou o meu tio a ter que dissuadi-la de tanta pescaria, até porque já estava na altura de terem um filho e o raio da mulher não assentava.

Pois e ... conclusões? Que cada um tire a sua. Talvez que o amor para a vida, o genuíno, o que não se apregoa apenas da boca para fora e pelo qual estamos dispostos a ir até ao fim, não se deixa assustar pelas distâncias, pelos afastamanetos, nem impôe prazos. Acompanha-nos, sempre, no coração, porque nos preenche. Que é imune a situações materiais precárias e que, quando se está comprometido com o amor e em se fazer a vida a dois, nem as maiores angústias, dores ou doenças nos afastam. Não que nos torne a vida mais fácil mas, simplesmente, não se deixa assustar por ela.
Tive um amor assim que durou 15 anos. Em relação ao que vejo acontecer hoje, em termos relativos, até acho que durou uma vida. Consigo perceber que eu e a minha ex, mãe dos meus filhos, até conseguimos algo que muito poucos o conseguem com os actuais ritmos da vida. Não obstante as vicissitudes passadas e futuras do nosso relacionamento, depois de outra experiência recente, dou-lhe, agora, mais valor. Agradeço-lhe a coragem e uma capacidade de amar que nunca mais reencontrei. Pelo contrário, há cada vez mais e por aí, muita sordidez, tanta, e muita a desonestidade. Em que o "eu" vem primeiro que o "nós". Em que se ama e desama ao sabor dos objectivos pessoais e do facilitismo da vida, prevalecendo o desejo do gozo, a comodidade dos horários efemeramente compatíveis, a da proximidade dos lugares e a facilidade momentânea dos encontros. Em que se confunde companhia com amor. Em que se abandona o barco quando sobram as dificuldades e o futuro não se apresenta risonho. Em resumo, em que o amor leva o mesmo fim das coisas que, num momento se usam e, a seguir, se deitam fora. Fiquem bem.

1 Comments:

Blogger Eva Lima said...

Já estou sem fôlego, moço!

11:45 PM  

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