Thursday, June 08, 2006

Não te vás, ainda ...

Não sou muito de SMS’s e outras coisas que tais. Não, o problema não está em mim, mas no teclado. Para mais, detesto codificações simplificadoras das palavras que, por vezes, são erroneamente interpretadas. Olhem, não interessa, não é sobre isto que quero “falar”.
Mas vem a propósito das estatísticas divulgadas sobre os milhões destas mensagens que se trocaram neste país.
Nesse dia, já tinha enviado a minha. Não foi por SMS, foi uma prece. “Por favor, não o deixes abandonar-nos, faz com que fique connosco por muito, muito mais tempo, lúcido e sem dores e sem o desespero de quem sente que o fim está próximo”. Já toma morfina e receamos que, muito em breve, já não se conseguirá levantar.
No dia em que veio do hospital, sentou-se toda a tarde. Vi-lhe um olhar triste, profundo, e assustado. Percebi que se preparava para o que se avizinha.
Ontem, conversou comigo. “Era isto o que te queria dizer. Não tenho medo de morrer, porque não morro, o espírito não morre. O que morre é o corpo, mas esse é uma matéria inerte. A morte liberta-me, liberta-me o espírito do corpo, que me faz sofrer. Só tenho medo do sofrimento, das dores, como no outro dia em que fui ao hospital. Não tens que acreditar, pensa o que quiseres. Não existem verdades ou inverdades, existem escolhas, eu escolhi o espírito, o pensamento. Não tenho medo morrer. Só queria ser internado, como no outro dia. Senti-me bem, acompanhado, sem dores, senti-me pronto. Não percebo porque me mandaram para casa. Eu sei que o fim está próximo, as dores só vão piorar, depois aumentam a dose das drogas contra as dores, pára o coração, e eu liberto-me”. Quando foi para o hospital, informaram-me de que a administração de morfina poderia matá-lo, pelo coração. Achei estúpido. “Se o mata, não lha dêm, ou se lha dão, façam-no em quantidades e de forma a que não o matem. Caso contrário, não autorizo". Depois, telefona-me a mana, toda aborrecida por não dar aos médicos a liberdade para actuarem. É da opinião de que ele “já sofreu e está a sofrer muito”, e quem seria eu para decidir o contrário. “Não contes comigo para eutanásias piedosas”, retorqui. Segui-se uma discussão sobre o meu egoísmo e insensibilidade. Entretanto, chegou a ambulância para o levar e achei por bem desligar o telefone. Nesse dia, não lhe atendi mais nenhum telefonema. Foi internado, tomou morfina, mas não morreu.
Cada semana conta, agora, como se fosse mais um ano. Cada dia, como se fosse mais um mês. Cada hora, um dia, cada inspiração, uma hora. Não te vás, nem agora, nem nunca.

12 Comments:

Blogger Sol said...

É sempre dificil deixarmos partir uma pessoa que amamos intensamente, ignoramos a razão e guiamo-nos pelos sentimentos. Gostamos sempre de retardar a hora da morte, dizemos que aceitamos mas é a maior mentira dita. O nosso amor por eles muitas vezes é o que os agarra à vida apesar de todo o sofrimento que passam.
As lagrimas escorrem pela minha cara ao ler o teu texto, gostaria de poder dizer mais ou fazer mais por ti, mas muitas vezes o silêncio é o maior aliado.

12:02 PM  
Blogger LP said...

Um beijo grande!

12:25 PM  
Blogger DIV de divertida said...

Tamanha dor, tamanha impotência... tamanha saudade...
Apenas Força!

2:29 PM  
Blogger Diana Bento said...

Muita força e coragem.

Beijo grande.

10:32 AM  
Blogger Lai said...

Olá,

Que Deus te abençoe e te fortaleça nestes momentos menos bons da tua vida...

DTA

2:27 PM  
Blogger stela said...

por muito que nos digam que assim é melhor, que o seu sofrimento vai acabar... queremos sempre quem amamos ao nosso lado... como te compreendo...
beijos bem grandes

8:48 AM  
Anonymous Anonymous said...

...sabes que concordo com o que ele te disse... e que também queria que esse dia chegasse tarde, o mais tarde possível...

Um beijo para ti, com todo o amor que te tenho.

10:52 AM  
Blogger Eva Lima said...

Estou contigo solidariamente!

1 beijo

3:06 PM  
Blogger Salto Angel said...

Força e coragem!!

Abraço.

2:39 PM  
Blogger Ana João said...

Uma vez disseram-me que, tentarmos manter quem mais amamos num corpo que já não é vivo, que é um acto egoísta de não querermos deixar de ver essa pessoa, que é a forma mais relutante de enfrentar a morte.
Mas como é que se desligam as emoções?

Tem força...

2:42 PM  
Blogger Vilma said...

Há um tempo que não vinha aqui.. e ler isto fez-me sentir empatia pela tua dor. Percebo-a hoje melhor que há dois meses... mas o tempo de alguém ir não está nas mãos de ninguém. E o teu pai está pronto... porque ele já percebeu uma outra dimensão melhor. Este é o mundo dos que morrem, dos que sofrem... com a fé que ele tem, vai para o mundo dos que vivem! Deus te abençoe e te ajude neste momento da tua vida!

9:47 PM  
Blogger Rakiel D’o said...

Muita força! Muita coragem! Heis um momento para o qual acho que nunca estamos prontos. Deixar ir alguém que amamos. Egoísmo? Sim talvez seja porque em muitos casos (como no teu parece-me) há dor, há sofrimento e não há hipoteses de melhora. Ainda assim, custa muito "deixar partir"... Toda a força nesse momento de provação!

12:52 AM  

Post a Comment

<< Home