1970
Dias zero, memórias sem nexo, regresso indesejado ao Zambeze. Tete.
Os “Fiat G-91” razam a água por baixo do tabuleiro de uma ponte em construção. A travessia ainda se faz por batelão.
Morte. É do que me lembro melhor, naquele ano em que a infância se deslocou para outro mundo de confusão. Contei 10, os caixões do primeiro cortejo fúnebre que passou por volta do meio dia. Os “Unimog” e os caixões. Emboscadas e minas. À tardinha, haveriam mais. Pois, Pátria.
A cidadezinha de onde antes saía e entrava em secretas incursões, era, agora, a imagem dessa Pátria, sitiada por minas, emboscadas, de colunas militares escoltadas por aviões.
Morte, morte e morte.
E a indiferença, nos engenheiros de passagem para o Songo. Anos loucos, de morte e vida. Mais a indiferença num dia a dia de morte, a que todos fugiam. Enquanto fossem os outros a morrer, a cumprir o seu dever, estávamos bem.
Mais helicópteros “Allouette”, saídos em missão, mais os que iam na outra direcção, pintados com uma cruz. Todos sabíamos da carga, dos corpos ensanguentados, e das visitas da morte que aterravam no hospital. Encolhiam-se ombros. Que azar o meu, sempre que tinha de lá ir. Só via sangue, sangue, e o grito da morte. Morte e sangue. É do que me lembro, agora. À noite, eram as patrulhaas. E os malditos T-6, que me sobrevoavam a casa. Últimamente, até o Kaúlza nos fazia mais visitas. Os cortejos fúnebres continuavam. Um de manhã, outro á tardinha. Eram outras visitas.
Um dia embarcámos num 737. Estávamos em 71. Base aérea do Moatize, zona mineira do carvão. Na metade da frente, macas e desgraçados em gemidos. Era assim que se vivia, lado a lado com a morte de quem, por desgraça, foi empurrado para aquela guerra sem fim á vista ou, se calhar, para fazer dela uma tragédia de má recordação. Que se lixe. Era assim, a vida. Uns viviam, outros morriam, ambos desconhecidos, para sempre.
Os “Fiat G-91” razam a água por baixo do tabuleiro de uma ponte em construção. A travessia ainda se faz por batelão.
Morte. É do que me lembro melhor, naquele ano em que a infância se deslocou para outro mundo de confusão. Contei 10, os caixões do primeiro cortejo fúnebre que passou por volta do meio dia. Os “Unimog” e os caixões. Emboscadas e minas. À tardinha, haveriam mais. Pois, Pátria.
A cidadezinha de onde antes saía e entrava em secretas incursões, era, agora, a imagem dessa Pátria, sitiada por minas, emboscadas, de colunas militares escoltadas por aviões.
Morte, morte e morte.
E a indiferença, nos engenheiros de passagem para o Songo. Anos loucos, de morte e vida. Mais a indiferença num dia a dia de morte, a que todos fugiam. Enquanto fossem os outros a morrer, a cumprir o seu dever, estávamos bem.
Mais helicópteros “Allouette”, saídos em missão, mais os que iam na outra direcção, pintados com uma cruz. Todos sabíamos da carga, dos corpos ensanguentados, e das visitas da morte que aterravam no hospital. Encolhiam-se ombros. Que azar o meu, sempre que tinha de lá ir. Só via sangue, sangue, e o grito da morte. Morte e sangue. É do que me lembro, agora. À noite, eram as patrulhaas. E os malditos T-6, que me sobrevoavam a casa. Últimamente, até o Kaúlza nos fazia mais visitas. Os cortejos fúnebres continuavam. Um de manhã, outro á tardinha. Eram outras visitas.
Um dia embarcámos num 737. Estávamos em 71. Base aérea do Moatize, zona mineira do carvão. Na metade da frente, macas e desgraçados em gemidos. Era assim que se vivia, lado a lado com a morte de quem, por desgraça, foi empurrado para aquela guerra sem fim á vista ou, se calhar, para fazer dela uma tragédia de má recordação. Que se lixe. Era assim, a vida. Uns viviam, outros morriam, ambos desconhecidos, para sempre.
22 Comments:
Um soco na barriga logo pela manhã...35 anos e ainda não está resolvido, saradas as feridas, olvidado.
O meu mano andou por lá a defender uma noção de pátria. Lembro-me bem da angústia quando o correio demorava mais uns dias.
... esta bodega nunca ficará resolvida ... que se lixe ...
Uns morrem, outros vivem, outros sobrevivem com um peso, que os leva a morrer lentamente.
nenhuma guerra faz sentido,mas viver isso de perto deve ser horrivel.
bjokas ":o)
E tu o que lá andavas a fazer? eras uma criança, pelas minhas contas!
EP,
... nasci lá perto (ainda se chama Beira) e, quando tinha 3, os meus foram "desterrados" para lá ...
Deve ter sido uma experiência terrível!
Acabou! Mas as recordações...
TsuP: não sei nada da guerra colonial a não ser que foi um inferno, como as outras, para quem lá andou.
Mas tenho de te dizer isto: EU NASCI NA BEIRA :)
guerras... pfuu... enfim. raça humana.
Eu,
Sabes, ficamos indiferentes às guerras dos outros, se se quiserem matar, que se lixem, mas não ficamos indiferentes ao massacre de inocentes, isso mexe cmuito cá dentro.
Margarida,
As recordações da guerra são uma bodega. Mas antes de o "cerco" se ter apertado, foi bom ser "menino do mato".
A liberdade dos espaços é uma coisa terrível. Ainda hoje, esta coisa de viver no cimento não está interiorizada. Paredes, só branquinhas ... quero lá saber da decoração ... e já conheci mais umas quantas almas, assim ...
Karla,
... deixaste-me a sorrir ... olá, conterrâneazinha ...
Anabond
... a raça humana não evoluíu muito nos últimos milénios ... o pensamento humano continua igual ao de há dois mil anos ... por isso, há quem conteste a teoria da evolução, pois os milhões de anos necessários para a evolução da espécie, seriam muitos mais do que aqueles que a terra nos proporcionaria ...
Eu sou uma pessoa optimista, felizmente.
Gosto de ajudar o próximo sempre que posso.
Gosto de fazer coisas que façam sentir bem os outros.
Segundo a religião católica, eu daria uma excelente praticante. Mas não acredito em algumas coisas que eles nos impingem. Não consigo identificar-me com a Igreja.
Isto para dizer que apesar de eu ser assim, sei que cada dia que passa caminhamos mais rapidamente para a nossa própria extinção. Seremos os únicos culpados e ninguém dá por isso.
Valores como o petróleo, os diamantes, a própria terra (como imobiliário) e coisas assim falam mais alto que um simples 'Bom dia', um segurar a mão a uma criança que chora porque se perdeu da mãe, um sorrir para um velhinho que está sozinho à espera de ser atendido no centro de saúde, alguém que pede ajuda no meio da estrada porque o pneu estoirou, ou até ajudar a carregar uns sacos pesados a alguém que nitidamente precisa de ajuda.
São nestas coisas que se nota que a nossa humanidade (?) precisa dessas guerras. E apesar de ser mãe recente e achar que ainda podemos dar a volta a isto tudo, todos os dias no jornal ou na televisão me mostram que caminhamos para a nossa própria destruição... basta que um dia digamos não (por exemplo, claro) a coisas vindas da China e eles se chateem... (estou meio a brincar, meio a falar a sério)
Se há doenças feitas pelo homem... se há crianças a serem espancadas pelos pais... se há tanta porcaria feita por humanos, porque não haverá um BUM! final?
Acho que é uma questão de dias, e isso é que me assusta...
(eu sei que parece radical ou pessimista. não sou nada disso, mas confesso que apesar de querer acreditar nas pessoas, tudo o que vejo me leva a crer que estou a ser optimista demais)
(desculpa o conteúdo meio negro deste comentário)
AnaBond, já tivemos muito mais perto desse ... Buummm final ... as fontes energéticas e a depredação dos ecosistemas são, por agora, as principais ameaças ...
O meu pai morreu por lá... em Angola! Na verdade não o conheci e toda a vida foi uma ideia imaginária na minha vida, enfim! Mas ele morereu a defender aquilo que entendia ser dele, a terra dele, mas "os outros", os "maus" (??) não o queria lá! Nós viemos embora ele ficou. Morreu de morte matada. Não sabemos quem o enterrou, como o fizeram, se o fizeram... ficou lá. Durante muitos anos esta porta esteve fechada. Era o nosso quarto escuro onde guardavamos os bichos maus. Hoje, com 57 anos, a esposa, a mãe, a mulher ficou sozinha, que dedicou a vida ao seu amor eterno e aos filhos, luta contra uma depressão. O bicho saiu do quarto escuro. Estamos a tentar acabar com ele! TSUP: Eu não queria descarregar aqui mas foste tu (permita-me que o tarate assim) que provocaste. Bj MC
... Márcia,
... são muitos os cemitérios espalhados por aquelas terras ...
... e por muitas almas vazias que nunca perderão a memória
Não há qualquer justiça no envio de jovens para uma morte quase certa em nome de um "porque, porque sim". Assusta-me o facto de as novas gerações não terem consciência crítica do que pode levar um povo a ser manipulado e a acreditar em balões de ar ...
É preciso trazer este tema à ribalta das atenções. Andei por lá, com o meu ex-marido. a guerra acabou por ganhar. Não morreu, mas aos poucos tornou-se outra pessoa, até estranho. nada apaga o preço k se pagou. Bom fs.Bj
TMara,
Não conheço quem esteja preparado para falar nisto.
Comunica-se numa cumplicidade de silêncios que une raivas, vómitos e pesadelos. Tremores e suores. Sempre lidei bem com tudo. Não gosto e de falar no assunto, estava e está enterrado, sempre me furtei às perguntas, estou farto de perguntas. Nem sei porque pus isto aqui. Nem porque tinha ou tenho que me confrontar com aquele eu de 10/11 anos, o mesmo que hoje tem 45.
Ou talvez saiba porquê. Por causa da forma aligeirada que percebi ao meu filho, quando resumiu o que sabia sobre a segunda grande guerra. Tipo manual.
E o fascínio pelo armamento bélico e pelas histórias de guerra no Iraque, o eles ganharam e os outros perderam, como um jogo de futebol, com enredos de bons e maus.
O Hitler ora como o malvado, ora como o inteligente, que podia ter ganho a guerra se os alidados não fossem tantos. Ninguém tenta abrir o livro do que fez um povo seguir um líder até ao fim.
Como se isso não se tivesse passado por aqui ...
(digo apenas que por vezes não penso que o buum final esteja assim tão longe... mas quero enganar-me, mas enganar-me 'à força grande'... )
A mim ficaram-me outras recordações, dos tempos de menina, dos tempos de Luanda...
Como gostava de lá viver...
Recordo-me tão bem de tudo que me parece impossível que tenha lá vivido tão poucos anos.
1970, eu, com 1 ano...aconteceu noutra galáxia, a anos-luz da minha realidade.
Este assunto sempre teve - e anda tem - um véu de incompreensão a cobri-lo. E confesso que há coisas que adivinho tão negras, que, egoisticamente não lhes toco.
Nem sei que te diga, pq mal suspeito do que falas.
Um beijo,
Bom dia, Maria João.
Obrigado pela tua visita. Tens razão, é difícil explicar uma guerra, seja a quem for. Só espero que as gerações afectadas estejam aptas a transmitir algo às posteriores.
Outro beijinho.
Eu também não consigo imaginar o que foi... faço parte da geração dos filhos dos que lá estiveram. Só sei que esse assunto é tabu na maior parte das famílias... e quase todas têm alguém que lá esteve.
Beijinhos
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