Tuesday, January 29, 2008

Onde ficaste? Por onde estás? Como estás?

Não a viu nascer porque não o deixaram. Depois, não a largou.
Deu-lhe a ver e experimentar, nas mãos e boca, todos os pedacinhos de tudo, provava e comia de tudo, e tudo lhe dava, do que, e para onde, o seu dedinho indagador apontava. Para o Mundo. Comunicavam pelo silêncio, falavam-se pelo olhar. Um dia, o mundo dele ruíu e, com ele, o invisível cordão que os ligava. No entanto, algo nele continuou a senti-la, a percebê-la, num estado constante de asfixia, misto de muita perda e ternura.
Ela cresce, ele olha, sorri, angustia-se, percebe e não aceita que seja assim. Hoje, perde-a, todos os dias, bocadinho a bocadinho, em cada minuto, em cada segundo de afastamento.
Ela fecha-se, assim, de um dia para o outro, opta pela mãe, para estar. Afasta-o no Natal. Já não falam abertamente do que, para outros, seria tabu, no que respeita a conversas de pai e filha. Já não vai com ela às consultas de ginecologia, onde crivavam a médica com perguntas. Mas isso, até é normal. O pior, é o já não falarem de nada. Meia dúzia de banalidades, escondendo conflictos e acusações de um longo processo de separação, em que o bode expiatório será sempre o que não está lá. Ele. E ele percebeu que, apesar de só a ver umas parcas horas semanais, algo não estava bem nos seus hábitos alimentares. Modas da idade, disseram-lhe. No verão deu o alarme. Foi acusado de alarmista. Hoje, ela está nas consultas de psicologia. Por causa da anorexia.
Ele, é avisado, ou melhor, ordenado, pelo médico, de que não lhe pode causar pressões. Bem entendido, lá se foram as visitas ao pai. Que isso é importante para a cura. Será? Sente-se numa camisa de forças, quase a explodir. Está farto. Não está a aceitar o papel que lhe destinam, como "parte importante no processo de cura ", ou seja, o de mero espectador passivo, como lho reservam. Algo não lhe está bem nesse papel, que não lhe serve e onde não cabe. Precisa da sua mão. Em silêncio, para lhe sentir a alma. Senti-la na alma.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Quando eu era adolescente, havia em casa dos meus pais um poema emoldurado na parede que começava assim: "teus filhos não são teus filhos, são filhos e filhas da vida...". Eu lembro-me de, na minha adolescência, me ter afastado completamente dos meus pais. Parecia que eles não entendiam nada do que eu dizia e eu de certeza não concordava com nada do eles me diziam. Eles até eram mentes abertas, principalmente a mãe, e sei que estavam a tentar mostrar-me uma estrada menos perigosa para eu seguir caminho pela vida, mas isso a mim não me entusiasmava nada. O meu caminho foi cheio de curvas e contra-curvas e fiz muita asneira. Mas ainda bem, porque cheguei aqui sã e salva e aprendi com essas curvas todas.
os filhos não fogem, pelo menos eu acho que não o fazem desde que se sintam amados. De vez em quando afastam-se... mas depois voltam.
Ainda vais ser um avô babado e voltarás a fazer com as netas o que fizeste com a filha.

Boa sorte neste caminho novo

9:15 AM  
Blogger TãoSóUmPai said...

Olá, "uma mãe ". Obrigado, pela gentileza e esperança das palavras. Apesar de pertencer ao sexo oposto, reconheço que, na adolescência, não fui o melhor dos filhos. Também andei... extraviado, por muito tempo. A comunicação entre pais e filho, explícita ou afectiva, foi sempre algo de, ou quase, inexistente, no que me toca. Aqui para nós, até me deu jeito, até desde a infância, permitindo-me explorar territórios proibidos que, de outro modo, me teriam sido completamente vedados. Passei por algumas situações bem quentes, de onde saí... enfim, incólume, com muita sorte.
Muitas vezes, as opções tomadas foram as piores, algo que, hoje, ainda estou a pagar de várias maneiras, nomeadamente com a saúde, o que me restringiu a capacidade de aproveitar, da melhor forma, as oportunidades que, então e agora, estavam e estão disponíveis. Na sua descoberta do mundo e da vida, os nossos filhos não nos pertencem, mas mão deixam de ser os nossos filhos, cheios de certezas construídas em papel,
e muitas fraquezas estruturais prontas a desmonorarem-se a qualquer momento. Como pai, depois de ter sido filho nas circunstâncias em que o fui , entendo que, com o que aprendi, e levando em conta as mutações sócio-económicas ocorridas, o meu papel, há já algum tempo, é o de uma espécie de treinador, sempre afectivo, os afectos de pai, vigilante, que questiona, confronta, quando necessário, e ouve. Ouve o que é dito e o que não o é.
No campo da vida, eles, os filhos aprendem a jogar sózinhos e com os outros, de forma autónoma, contando, para isso, com uma estrutura de valores e princípios, a todos os níveis, começando pelos que lhes fornecemos, e os que eles aprendem com os outros, sem qualquer interferência da nossa parte. E é nesta vigilância, umas vezes mais activa, outras mais à distância, que eu procuro estar, de forma atenta. Embora o amor de pai seja insubstituível para pressentir e sentir o que não é dito, num silêncio, num olhar ou na falta dele, a complexidade de situações e dos conflictos internos que assolam as mentes dos filhotes requer, para o seu entendimento, o seu acompanhamento e, aqui, recuso qualquer postura de intromissão, um mínimo de verbalização do que lhes vai na alma, para sabermos onde estão. É isto que me está a faltar: aquelas palavras, por vezes iradas, outras, entrecortadas por monossílabos quase ininteligíveis. Nem que seja o tal "dâââ..."

11:01 AM  
Anonymous Anonymous said...

Os meus pais nunca tiveram o mundo para me dar, e por isso o mundo nunca o tive na mão. Mas sabia que sempre que precisava eles estavam lá... tinha sempre para onde voltar. Os braços deles nunca se fecharam e o amor que sentiam estampavam-se nos seus actos e nunca nas palavras. Estranho!! Hoje, na condição de "quase mãe" gostaria que todos os filhos tivessem o amor pelo menos como eu tive. Ama-a como ela nunca sentiu isso de ninguém… O que lá vai lá vai… É tempo de olhar para a frente e investir no tempo que ainda temos. Às vezes pode parecer perdido… mais à frente vamos perceber que foi bem investido. Coragem PAI!!

5:03 PM  

Post a Comment

<< Home